quarta-feira, 5 de junho de 2019

Escrevendo...

Escrevo pelo simples ato de escrever. Esteja avisado.

Sim, pois me deu na telha que agora devo escrever. Vejamos que, embora um texto qualquer tem conteúdo e intenção, é certo que em alguns textos há o predomínio de um sobre o outro. Exemplifiquemos: uma propaganda intenciona sobretudo te convencer da necessidade de um produto, sendo seu conteúdo um veículo desta intenção, enquanto um dicionário prima pela precisão do conteúdo, sendo a intenção informar o que traz em suas páginas, ou seja, sua intenção se reduz ao seu conteúdo.

Pois bem, este texto, embora não isento de conteúdo, deve ser entendido como um exercício retórico, a evocação de uma semântica com uma intenção clara. Qual esta intenção? Nenhuma de seu interesse, leitor (se é que você existe), e sim o simples exercício da escrita pelo autor, no caso, eu.

Pode-se até se perguntar: Ítalo, por que decides, na madrugada de uma quinta feira (o dia da madrugada é aquele que se inicia ou o que se acabou?), levemente insone, enquanto afastado de seu trabalho pelo advento de lombalgias que levaram ao diagnóstico de uma - não, duas! - hérnias de disco (meu colágeno é de segunda aparentemente), escrever este texto vazio, este solipsismo literário, aberração da função da linguagem?

Eu te respondo: pois eu quero.

Por que quero? Não sei, mas me pergunto se esta pergunta é necessária. O querer em si não é motivo suficiente? Ou tem que se subsidiar em uma outra razão, mais razoável que ele mesmo?

E esta razão, se encontrada, será ela a causa do próprio querer ou apenas um artifício dos meandros maquiavélicos da razão criado a posteriori para justificar este desejo?

O leitor consegue prever para onde encaminho meu pensamento: parece claro que, neste caso particular, a emoção precede a razão. Seríamos tolos de pensar que, ao justificar meu desejo estaria descobrindo uma causa para o mesmo, sendo a realidade que o desejo, não tendo causa fenomenológica (não cabem aqui as causas biológicas e inconscientes, pois estas não são apreciáveis pela consciência) tem a aparência de ser causa primeira, aquele movedor imóvel aristotélico que apresenta sua imposição sobre o indivíduo. Neste caso podemos até mesmo tratá-lo como causa última, uma vez que a razão, que vem posteriormente a fornecer as bases epistêmicas da vontade, tem como impulso e causa tão somente a sua finalidade de sustentar o desejo.

Quero água, estou com sede, meu corpo precisa de líquidos.

Quero comida, estou com fome, preciso de energia e substrato para o meu corpo.

Quero sexo, tenho tesão, preciso me reproduzir.

Percebe como, mesmo nas necessidades mais fisiológicas o espírito (o eu) é inicialmente tomado pelo querer e em seguida se convence razoável? E quando nos deparamos - encarnamos - desejos cuja justificativa foge à capacidade do intelecto de justificar sucumbimos a nossa própria pulsão isentos de uma narrativa que advogue em nossa defesa perante ao pior dos acusadores: nós mesmos.

Quero escrever.

Silêncio.

Escrevo: "Sim, escrevi, confesso minha culpa."

"Pois está condenado, pagarás o preço devido." - respondo.

"Imploro! Tenha misericórdia!"

"Misericórdia? Jamais!" - a piedade é o maior defeito do homem forte.

Sem mais.

Xô Satanás

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